O Cemitério da Colina
"Mountainview Cemetery in Cambridge" por Karen Winslow
A vida passa em seus diferentes ritmos em uma cidade grande, porém, nas cidades menores a coisa é diferente. O tempo das pessoas é moroso, calmo e administrado com parcimônia. A paisagem verde que é seca e rasteira se mistura com o céu azul que, felizmente, não sofre com a arquitetura vertical e predatória das grandes cidades. Para os locais não há muita novidade a não ser observar as décadas do alto da colina. E foi lá que construíram um cemitério. Ora, um cemitério com uma visão privilegiada da cidade em pleno - e lento - progresso não é nada mal, os mortos podem continuar a colocar os assuntos em dia enquanto observam o pôr do sol no vale deste limbo dimensional entre as lápides, criptas e sepulturas.
O lento progresso solidificou-se em um imenso arranha-céu com o passar dos anos e aconteceu bem no meio do horizonte daquela paisagem. Isso foi o pivô de muitas discussões entre os mortos. As luzes da cidade não se apagavam no horário costumeiro e haviam muitas almas novas pelas ruas. É claro que este agito cósmico assombrou o calmo cemitério da colina na medida em que a construção do arranha-céu avançava, as discussões causavam perturbações no ambiente mundano muito além do fogo-fátuo. Idas e vindas de novas almas, arremetidas e assombradas, elas estavam por lá.
O cemitério da colina se tornou um lugar deveras movimentado após a conclusão da grandiosa obra dos vivos, na verdade, isso mais afastou os vivos da colina e até atraiu alguns novos inquilinos oriundos de fatídicos acontecimentos durante a edificação do monumento cinza.
"Desencarnemos de vez, então!" argumentavam alguns, certos até cogitavam "Vocês já ouviram falar de um novo cemitério vertical?". Seja qual fosse o destino daquelas almas muitas delas acabaram por descer da colina até a cidade para conferir com os próprios olhos. "Por que não conhecer aquela imensa estrutura de concreto de perto?" - E talvez este tenha sido o ponto de partida para findar as discussões e o tédio da eternidade.
Fantasmas na Cidade
"Mysterious Fog" por Mihaïl Zablodski
Coisas estranhas começaram a acontecer na cidade, principalmente nos arredores do arranha-céu. Para quem transitava nas fronteiras do éter já era de se esperar que eventos paranormais fossem registrados nos jornais físicos. A vida se tornou mais do que agitada naquela cidade enquanto a tênue linha entre os dois mundos vibrava. Os mortos que ali habitavam não pareciam mais contra o progresso, porém, adaptados dentro daquela realidade de concreto que mais parecia uma prisão panóptica a céu aberto do que a morada de pessoas ambiciosas que arriscavam suas vidas nas alturas. Finalmente um lapso da vida moderna no submundo. O movimento no cemitério lá no alto da colina começou a cessar, diziam que a vista na cobertura 505 era privilegiada e que havia lugar para todo mundo entre os labirínticos andares.
O lento progresso já não era tão lento assim com os vivos e os mortos dividindo o mesmo espaço em dimensões diferentes, novos edifícios maiores e menores surgiram ao redor do velho e cinzento pioneiro, este já com seus arcaicos elevadores sendo operados pelo mesmos ascensoristas há séculos. Quando o pavimento chegou nos vales do antigo cemitério da colina nada mais ali restava a não ser ruínas, concreto, tumbas saqueadas e almas frustradas. Era claro que o cemitério havia sido esquecido com a oferta de tantas vagas na cidade, haviam mais mortos nas ruas do que no periférico vale. A vista do horizonte não delimitava o leste e oeste, mas sim, registrava um cenário vertical e cinzento: assim como as criptas em ruínas no antigo cemitério da colina.
Alguns vivos sabiam e outros claramente não, a cidade era mais povoada por fantasmas do que pessoas de carne e osso.