When I was a child, I remember spending hours in the backyard, making leaf soup in an empty guava jelly container. I would play this in the street too, with my friends or by myself, feeling like a witch brewing a magical potion. Many times, I’d even drink the potion. Luckily, none of those leaves or flowers were poisonous, and they never did me any harm. If I close my eyes, I can still taste it.
When I wasn’t making my potions, I was on my bike, and for a while, up until my teenage years, my bikes had names. The last one I remember naming was Firebolt, like Harry Potter’s broomstick – by then, I was already fourteen. I had a cell phone, I was already using the internet, though I didn’t have a computer at home. I’d go to internet cafés to look things up that I can’t even remember now. At some point, I made an Orkut account, but I still valued real experiences more. Boredom didn’t bother me.
As the years passed and technology evolved, boredom started to bother me. I think this happens to all of us: we’ve become used to always being connected, doing something, staying productive in some way. Our eyes, for years now, have grown accustomed to screens and an overload of information. Doing nothing isn’t easy.
I don’t look up at the sky as often as I’d like anymore, because now I need to decide to consciously spend time looking at the sky or even just staring at the ceiling. I understand that it’s healthy, that my mind needs rest, so sometimes I consciously make myself do it, saying, “enough with the screens.” That’s how I deal with it: boredom is my friend, and I need it to reconnect with the real world.
Because of this relationship with boredom, I don’t see it as dull or something to avoid. On the contrary, it’s what I need to unplug. Without it, I’d always be on my computer, my phone, listening to music, or reading a book. And we are not just what we do.
When we do nothing, all that’s left is our thoughts, or the absence of them, and all that’s left is who we truly are. I think about this a lot, and I search for myself; boredom helps me find myself. It’s not always silent – sometimes you’re in a noisy supermarket line without internet, and the noise is unbearable. But I think it’s a good way to get to know yourself, to measure your patience, and to live with yourself. I believe we need to know ourselves, and that only happens when we’re not busy with distractions.
If you were a poor child without access to cable TV or video games, you probably played a lot. You found ways within yourself to create games, to come up with situations that made you have fun. When there was nothing to do, your creativity was born. I believe that when there’s nothing to do, a fertile ground for creativity emerges. And that’s something boredom can give us, which is why I value it, especially today, now that I’m no longer a poor kid without a screen to stare at for hours.
These days, I no longer make soup from leaves and flowers I find in my backyard. Instead, I cook for real, inventing dishes, following my intuition and adding spices, feeling the aromas, tasting as I go. When I do this off-screen, the result is creative and unexpected, and it’s the closest I can get to that child who made potions. I feel like she’s happy.
Portuguese
Quando eu era criança me lembro de passar várias horas no quintal fazendo sopa de folhas numa vasilha de doce de goiaba. Brincava disso também na rua, com meus amigos ou sozinha, me sentia uma bruxa preparando uma poção mágica. Muitas vezes eu bebia a poção, por sorte, nenhuma daquelas folhas ou flores eram venenosas, e não me faziam mal. Se eu fechar os olhos ainda sinto o gosto.
Quando não estava fazendo minhas poções, estava pedalando e, durante algum tempo, até minha adolescência, minhas bicicletas tinham nomes. A última, que eu me lembro de ter batizado, se chamava Firebolt, como a vassoura do Harry Potter, nessa época eu já tinha 14 anos. Eu já tinha um celular, já utilizava a internet embora não tivesse computador, ia até as lan houses para pesquisar coisas que não me lembro muito bem. Em algum momento fiz um orkut, mas eu ainda valorizava mais as experiências reais. O tédio não me incomodava.
Com o passar dos anos e a evolução tecnológica, o tédio passou a me incomodar. Acredito que é comum a todos nós: nos acostumamos a ficarmos o tempo inteiro conectados, fazendo algo, sendo produtivo de alguma forma. Nosso olhar, há alguns anos, já está acostumado com telas e o excesso de informação. Não é fácil ficar sem fazer nada.
Eu não olho mais para o céu o quanto eu gostaria, porque agora eu preciso pensar nisso para decidir conscientemente passar um tempo olhando para o céu ou simplesmente para o teto. Eu entendo que isso é saudável, que minha mente precisa descansar, e por isso às vezes preciso fazer essa ação conscientemente e dizer: chega de telas. Então a forma como eu lido é essa: o tédio é meu amigo, eu preciso dele para me conectar com o mundo real.
Por ter essa relação com o tédio, eu não o considero chato ou algo que eu precise fugir. Pelo contrário, o tédio é o que eu preciso buscar para me desligar. Pois se não for por ele, estarei no computador, no celular, ouvindo música ou lendo um livro. E nós não somos apenas aquilo que fazemos.
Quando não fazemos nada, só sobra nossos pensamentos ou a ausência deles, só sobra quem realmente somos. Eu penso muito nisso, e eu me busco; o tédio me ajuda a me encontrar. Nem sempre ele será silencioso, às vezes você pode tá na fila do supermercado, sem internet, e o barulho é terrível. Mas eu penso que essa é uma boa forma de você se conhecer, medir sua paciência e conviver consigo mesmo. Penso que precisamos nos conhecer, e isso só é possível quando não estamos nos distraindo com outras coisas.
Se você foi uma criança pobre, que não teve acesso a canais de tv pagos nem a video games, provavelmente você brincou muito. Você encontrava maneiras dentro de si para criar brincadeiras, criar situações que faziam com que você se divertisse. Quando não tinha nada pra fazer, a sua criatividade nascia. Eu acredito que quando não há nada pra fazer, surge um terreno fértil pra criatividade surgir. E isso é algo que o tédio pode proporcionar, por isso o valorizo, especialmente hoje em dia, que não sou mais uma criança pobre sem uma tela da qual posso passar horas olhando.
Hoje não faço mais sopa de folhas e flores que encontro em meu quintal, em vez disso, cozinho de verdade, invento pratos, vou seguindo minha intuição e colocando temperos, vou sentindo os aromas, experimentando, quando faço issos em telas o resultado é criativo e inesperado, e é o mais perto que consigo chegar daquela criança que fazia poções. Eu sinto que ela fica feliz.